sexta-feira, 10 de junho de 2011

GOIAJU

GOIAJÚ

            Tem gente  que pode não acreditar. Mas tenho certeza que alguns poucos vão ficar intrigados e para não contrariar ficarão calados. Estes são os meus alvos. Miro nos sonhadores, nos que não tem fé porque adotou a dúvida como solução quando se encontram frente a frente com o desconhecido e que alimentam dentro de si sonhos de liberdade. Miro os inconformados, os céticos, os irônicos, os sarcásticos, os debochados, os de espírito inquieto. Miro os diferentes, aqueles que marcham fora do pelotão.
            Conheci um anteneiro que transformou uma árvore em antena.
            Pronto, contei o segredo que guardava a tanto tempo, não agüentei mais afogar a verdade no poço do esquecimento. Quebro o isolamento da verdade com boas intenções, não espero abalar séculos de poeiras depositados sobre conceitos ditos naturais, não espero que acreditem apenas nestas linhas, tirem a prova da verdade. Lá vai:
            Uma vez estava eu no meu escritório quando ouvi um alvoroço entre os funcionários. Um grupo em frente à janela discutia se abriam a porta lá em baixo para a pessoa que pedia para entrar. Quando fui perguntar de quem se tratava, a pergunta se desfez. O visitante era alguem incomum. Seu tamanho era maior que o de duas pessoas juntas. Tinha uma cor avermelhada e olhava fixo para o chão, mesmo assim, quando passava por uma porta, inclinava-se levemente para não bater a grande cabeça no umbral da porta. Mesmo inseguro, deixei que entrasse. Tive que oferecer um banco de madeira para ele sentar pois não cabia entre as guardas da cadeira de escritório. Não era um homem gordo, era um homem grande. Sentado na frente da minha esa me disse com uma voz rouca, forte e melodiosa.
                -Meu filho tem muita imaginação e quer uma antena para internet, não sei bem o que é isso, sou um mateiro e só entendo de mato, mas tenho aqui este papelzinho que ele me deu. Dito isso me mostrou um catálogo antigo que eu usara no passado para fazer propaganda das antenas que eu fabrico.
            Entramos em entendimento, ele morava com a família no sertão do Maranhão, nas bordas da floresta amazônica.
            -O único jeito é por satélite. Disse para o enorme sertanejo. Ele não demonstrou ter entendido ou não, estava tratando comigo apenas de interesses que não era dele.     O sertanejo usava um casaco de couro marrom e quando cruzou
os braços pude ver a franja nas mangas. Perguntou sussintamente:
            -Quanto custa?
            Descruzou os braços e do bolso interno tirou uma carteira. Contou as notas até o valor que eu dissera e depositou o dinheiro em cima da mesa.
            -Pois então ta. Quando é que o senhor vai lá?
            Quinze dias depois, após uma viagem de oito horas de avião e mais oito horas de carro, entrei na soleira da casa do sertanejo. Foi quando conheci o Acácio filho do sertanejo. Era um rapazola de uns vinte anos, magro de olhos e cabelos negros, movia-se com a languidez de um felino, com gestos suaves e precisos, tinha uma estatura baixa mas era muito bem proporcionado, era um bonito rapaz. Perto do pai o Acácio era muito pequeno. A aparencia física diferente  do pai e do filho me chamou aatnção, a natureza possui infnitos caminhos.
            Na mesa de jantar forrada de comida e frutas o Acácio me olhava como se tivesse olhando para o mapa das minas do Rei Salomão. Dirigi-lhe as perguntas.
            -Então Acácio como vai o colégio.
            -Vai não, nunca fui lá.
            -Mas para navegar na internet tu precisas saber ler.
             -Sei sim. Aprendi olhando os jornais velhos que chegavam aqui e na televisão, tem uma antena aqui na fazenda que fica virada para o céu, acho que o que vem do céu e da terra é tudo o que eu sei.
              Achei bonita a ótica com que Acácio via seu uiverso, ele era uma pessoa com grandes tradições no trato da terra e sabia enchergar alem desta. Argumentei com o rapaz.
            -Mas é necessário noção de computação para navegar.
            -Eu olho o senhor fazendo e aprendo.
            Não gostei da resposta do Acácio, uma sensação de oportunismos me assediou os sentidos. Os custos finais daquela compra eram enormes, se não fosse aproveitada teria sido dinheiro jogado fora comigo.
            No outro dia, comecei a instalação. Era como se eu tivesse duas sombras, uma era minha, criada pela obstrução do sol e a outra pelo Acácio que do meu lado, sem perguntar nada, não perdia um movimento. Instalei a antena, coloquei o conector no cabo coaxial, configurei o rádio e fiz um stub para conseguir o máximo de acoplamento entre o radio e a antena.   Foi ai que o Acácio falou:
            -Para que esse fio dependurado?

            Expliquei que o rádio precisava aceitar a antena como ela é e aquele fio era um modificador da natureza física da antena, assim os dois, rádio e antena ficavam como que casados. Aquele fio fazia isso.
            -Engraçado, aqui a gente faz isso entre as plantas. A gente casa laranja com limão, pêssego com ameixa, uva branca com uva preta. Há muito tempo venho tentando criar a goiajú.
            -O que é goiajú Acácio?
            -Ora casamento de goiaba com caju.
            Com esta eu levantei e fui fazer outra coisa.
            Quando fomos almoçar, a instalação estava concluída. Gastei toda a tarde explicando para o Acácio os comandos básicos do teclado e onde ele poderia buscar informações na web. Percebi que para o Acácio nada era explicado duas vezes, muitas vezes ele antecipava a pergunta á resposta. Na saída passei a ele meu msn para ajudá-lo quando necessário.
            Quando sai de lá sai com uma dúvida respondida, o que a natureza havia dado para o pai do Acácio  em tamanho, havia legado ao filho em inteligência.
            O tempo passou, as estações trocaram a cor da natureza duas vezes, a soja por duas vezes tivera sua safra pungente no sul e o Acácio nunca entrou em contato comigo. Muitas vezes eu tentei anexá-lo e não era possível. Certo dia aconteceu. Estava eu teclando com um amigo quando a telinha apareceu pedindo para eu aceitar o chat. Era o Acácio.
            -Olá, quanto tempo, como vais?
            -Agora vou bem, finalmente encontrei uma arvore para casar com o rádio
            -O que queres dizer com isso?
                  -Bem quando o senhor saiu daqui eu comecei a me afeiçoar com os botõezinhos quadrados, já estava esperto quando uma tropa de búfalo passou pelo terreno e arrancou a antena. Destruiu todo o trovejão, nunca mais funcionou.
            -Mas e agora? Quem arrumou para ti?
            -Eu mesmo. Não tinha mais a antena, então eu procurei uma árvore. Comecei com o ipê, depois fui para o eucalipto, o cedro, o pinheiro, o jabuticabeiro, abacateiro, araçá, cajueiro, carvalho, embaúba, figueira, imbúia, jatobá, nogueira, oliveira, jequetibá. Claro que eu não me esqueci do stub, como o stub tem que ser do mesmo material eu usava o cipó da árvore. Um dia funcionou. Sabe com que árvore? Com a goiajú. O difícil foi encontrar o lugar certo para colocar os pregos para ligar o cabo, todo mundo aqui na região achava que eu tava ficando louco, eu sempre pensava que tinha pensado o mesmo do senhor. Se o senhor fez eu tinha que fazer também. Demorei porque a árvore ainda era pequeninha e não podia casar.
              -Mas Acácio isso é impossível.
            -É não!
            -Preciso ver isso de perto.
          -Como o senhor mesmo disse, são oito horas por cima e oito horas por baixo e ainda pode comer os goiajú.
            Nesse momento a minha conexão caiu. Não me saia da cabeça o “é não” do Acácio. Seria a imaginação mais importante que o conhecimento? Não, eu não vou ir até lá, o Acácio deve estar se intoxicando com este tal de goiajú. Imaginem se eu contasse isso para alguem, que tem uma guaiajueira acoplada com um rádio e irradiando 2,4GHz. Quem ia acreditar? No entanto se alguém quiser prosear com o Acácio, é só me pedir o msn dele.
            Uma vez alguém disse: O homem deve evitar dizer verdades que pareçam mentiras para não passar por um mentiroso inocente.
            Outra coisa, se você quiser ver para tirar a prova, vá lá. São oito horas por cima e oito horas por baixo.


FIM

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