quinta-feira, 9 de junho de 2011

O SEGUNDO CLIC

O SEGUNDO CLIC


            Se me perguntassem o que eu mais sei fazer dentro da minha profissão de engenheiro eletrônico, por certo eu responderia que é fazer medidas. Medir o quanto um valor está perto ou longe da sua especificação é a minha maior habilidade. Sistemas de telecomunicação para serem eficientes necessitam funcionar dentro de uma estreita faixa de tolerância eu meço os desvios que não podem ser tolerados.
Sou convicto de que os princípios físicos na natureza, não podem ser compreendidos sem que se façam medições. Acreditem fazer medidas é quase uma dependência química, a gente se torna viciado em medir. Como para todo o viciado existe sua overdose, para mim também ouve.
 Primeiro as medidas elam apenas elétricas, mas com o passar do tempo comecei a medir constantes antigas que fossem os pilares da nossa cultura. Remedi  velocidade da luz, remedir a aceleração da gravidade, remedir a impedância do espaço livre e até remedir o ruído de fundo do cosmo.
Claro que meço somente as constantes físicas, mas sou desses caras que acredita que a física é a ciência que mede a realidade. Assim como as minhas medições são as ferramentas para a compreensão do mundo físico, meus instrumentos são as ferramentas para a medição.
Certo dia transbordei o pote , estava eu medindo a diferença de potencial elétrico existente entre minhas pernas quando uma luz acendeu-se no poço escuro onde se esconde minhas melhores idéias.
Seria essa diferença de potencial variável com o humor de cada pessoa?
Esta pergunta parecia absurda, não existem medidas para medir o mundo lúdico, subjetivo. Os sensores são a profundidade dos olhares, os sorrisos e a linguagem do corpo ou gestos inconfundíveis visível a olho nu, mesmo que a distância. Mas se fosse possível? A ciência não é a arte de transformar o impossível em possível?
Passei alguns dias montando um medidor que comparasse a constante elétrica da outra pessoa com a minha. Pensei em usar o princípio da comparação, Duas quantidades iguais a uma terceira, são iguais entre si, Isso posto, bastava eu sair comparando outras pessoas comigo que iria facilmente estabelecer um padrão. O lúdico haveria de obedecer alguma regra lógica.
O artefato ficou pronto, instalei sob o casaco e sai para a rua. Ficara apenas com um pequeno problema, eu teria que tocar nas pessoas.
A intensidade de tensão do humor eu já poderia medir, mas como eu iria saber se estaria certa a medida? A resposta nasceu quase com a pergunta, bastava eu conhecer as minhas cobaias. Sou de uma família muito pequena e resolvi evitar os poucos parentes disponíveis, minha pesquisa seria feita no boteco.
Perto onde eu moro, existe um bar onde se reúnem á noite, sistematicamente, um grupo muito heterogêneo de pessoas, fui para lá violar alguns deles, afinal gente da noite está sempre à disposição.
                   Cheguei suavemente como uma noite que adormece serena nos cabelos morenos do povo brasileiro e fui direto para perto do primeiro.
                   O sujeito ela um grande fuzarqueiro, a própria simpatia personalizada, pois estava sempre fazendo piadas oportunas. Era uma pessoa de estatura baixa e inteligência alta, sabia melhor que todos adaptar uma conversa qualquer num tema humorístico, isso fazia os que ouviam sentir-se parte da piada. Foi depois de um desses momentos engraçados que num gesto aparentemente normal, toquei na mão do fuzarca para cumprimentá-lo pelo  oportunismo do humor. Clic medi o Fuzarca. Havia capturado a primeira medida, não olhei o valor para não chamar a atenção, mas ficou registrado na memória do aparelho que eu já batizara de humorímetro. O aparelho sempre emitia um “clic” quando fazia um registro.
O segundo era um sujeito de pavio curto, desses que adoram não levar desaforo para casa, mas como todo mundo tinha um defeito, ele era pescador e naturalmente sempre exagerava no tamanho do pescado. Esperei ele contar a sua última pescaria e quando ele gesticulou um peixe enorme, toquei nas mãos do pescador exagerado e fechei o intervalo para diminuir o peixe. Neste momento,  Clic ele estava aprisionado no meu humorímetro.  
O terceiro era um sujeito acostumado a somar, coisa da profissão, era um desses caras que costumam se exibir de ser capaz de fazer um pingo no centro de um círculo e de olhos fechados.  Esperei a conta do bar chegar e arredei a mão do contador para pagar o valor sozinho. Clic, capturei o certinho.
Numa mesa num canto, três sujeitos falavam ao mesmo tempo um assunto empolgante. Não cliquei eles, como poderia? Ao mesmo tempo não dá.
Parti para as mulheres.
A dona do boteco é daquelas que todo mundo quer tocar, mas que ninguém consegue. Como fazer para ela achar normal um toque carinhoso meu? O clic aconteceu quando ela me entregou o copo, me fazendo de distraído peguei o copo por cima da mão da felina. Imediatamente deram-se dois clic, um foi do humorímetro que fez seu registro...
A segunda era uma bailarina que ainda morava na cidade pelo fato de nunca um sheik árabe a ter visto, senão hoje ela estaria dançando a dança do ventre em alguma barraca no deserto do Saara. Como fazer? Eu precisava passar a mão nela. Lembrei de um truque de mágica que eu uso nas aulas quando quero prender a atenção do aluno. Perguntei para a senhora exaltação se ela acreditava no alem. Ela disse imediatamente que sim, havia caído no truque. Levantei a cabeça e olhei para o teto onde havia um quadro impressionista e disse: - Me dá a tua mão e pensa naquele quadro. Eu havia escondido na manga um desenho da via lacta, quando ela percebeu haver uma foto entre as nossas palmas da mão duas coisas aconteceram, a estupefação dela e dois clic.
 A terceira era do tipo que nunca assobiava no vento. Tinha um atavismo sensual que seduzia até muçulmano fundamentalista. Como fazer para passar a mão? Não foi tão difícil, ela é artista plástica e eu pedi que ela desenhasse uma flor na minha mão. Bons momentos aqueles. Os clic? Dois é claro....
Sai do boteco pensando, fora muito mais fácil passar a mão nos homens, por que será?
De volta no meu laboratório, peguei o humorímetro e através de um cabo USB passei para o lep-top onde um programa de foto shopping esperava pela numeração comparativa. Apareceu uma figura surrealista que sugeria para alguns um homem excitado e para outros algo nebuloso. Havia nos dados fornecidos ao computador algum tipo de colisão entre a lógica e o inusitado algo que a máquina não tinha memória suficiente para computar, que interferia, poluía sem deixar de ser glamouroso.
            Não entendi, acho que o programa deu páu, deve estar biruta.
  Que resultado mais ridículo. Pensei que eu iria aparecer de forma heróica ou nobre ou aventureira. Acho que o que estragou foi o segundo clic. Vou ter que remodelar o meu artefato. Isso vai ser fácil, o difícil será passar a mão nelas de
novo.
A natureza é para nós a aparência da realidade que com certeza é mais louca que a ciência. Seria a natureza lúdica? O nosso conhecimento de Física está sempre se remodelando. Como medir a realidade que a natureza esconde? Não sei, quem sabe os medidores que fazem esta medida não possam ser fabricados pelo homem e existam naturalmente dentro de nos, mesmo sem os ponteiros, mas que clicam sempre  a presença do medo  da fome do instinto sexual e de tantos outros.
Olhando para o desenho gerado pelo meu programa o meu artefato foi batizado com o nome errado, mas se não serviu para uma demonstração científica, serviu para dar uma pista nada lúdica, nada física,  tão insinuante para a realidade quanto a natureza. Esta pista foi o segundo clic.


Gilvan

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