sexta-feira, 10 de junho de 2011

LENÇOL DIGITAL COLORIDO

LENÇOL DIGITAL COLORIDO


         A dinâmica mais comum numa cidade grande durante um feriadão é fugir da rotina e gozar a natureza onde for possível. Tempos atrás, com a intenção do descanso semanal, dirigi-me por uma estrada do Rio Grande do Sul, rumo á um sítio que possuo no município de Águas Claras. Este local parece mágico, pois as cores do terreno variam com o sol e com a chuva  como se alguém que as pitasse adorasse lograr o olhar como fazem os pintores que exploram os findi da palheta colorida.
Não estava dirigindo, sentado na janela do carona procurava aspirar o ar adocicado pela relva do campo enquanto os meus pensamentos fluíam na reconstituição do curso de antenas que havia ministrado no dia anterior.
Convencer pessoas não é nada fácil, mesmo que a evidencia esteja escancarada. Para convencer é necessário estabelecer mudanças, para mudar é necessário dor, e com esta ninguém é tolerante, daí a dificuldade de impor a mudança mesmo dentro de uma sala e aula, pior ainda quando ela é novidade ou fantástica.
Tenho ensinado nos cursos que ministro, a construção do Lençol Digital numa LAN wireless administrada por um provedor de internet e tenho apresentado de diversas maneiras seus benefícios e suas vantagens. Ao longo das minhas aulas já ensinei e expliquei diversas vezes como se constrói um Lençol Digital. Apesar de ser um nome novo, o conceito de Lençol digital é antigo. Seu propósito é o de propiciar qualidades iguais para usuários diferentes, ou seja, um cliente que esteja recebendo um sinal de rádio de muito longe, deve ter a mesma qualidade que outro cliente que esteja recebendo o mesmo sinal de muito perto, nem mais, nem menos.
Basicamente, um lençol digital estabelece a condição de igualdade, ou seja: Ou todos estão funcionando perfeitamente bem ou todos não estão funcionando.
No entanto, mesmo com demonstrações e provas, o conhecimento se instala muito lentamente no aluno.  Acho que para convencer, vou ter de contar o que eu queria nunca ter contado, pois aconteceu também lentamente.
         Muitas pessoas que não participaram do meu curso, pensam que o lençol digital é um petroglifo meu. Que é um construto hipotético tão pouco razoável quanto aos conceitos atribuídos aos desenhos nas pedras deixados pelos antigos povos nas cavernas. Não é não, embora os antigos contassem com inspirações não bem aceitas hoje em dia por antropólogos e arqueólogos modernos, eles estavam dizendo com seus desenhos que nada está isolado, nem mesmo as diferentes raças dos seres vivos, quanto mais alguns radinhos numa LAN wireless. Os desenhos nas pedras dos antigos é de interpretação fatal, ou eles estavam todos certos ou todos errados.
         Num antigamente não tão antigo a religião proibia abrir o corpo de uma pessoa para fazer uma intervenção cirúrgica, ofenderia a Deus tal ação. Era considerada uma profanação no corpo que tinha sido feito a imagem do todo poderoso. Naquela época, na LAN do conhecimento estavam todos errados.
         A necessidade e a curiosidade foram maiores que a fé e o homem lentamente e literalmente mergulhou seus dedos, instrumentos e sondas para dentro dos corpos doentes. Com esse grande passo, conseguiu aumentar a quantidade e a qualidade de vida da humanidade, pois descobriu que o protocolo de funcionamento era igual em todos os seres vivos. Uma pessoa doente poderia adoecer outras pessoas, assim como um radinho no meio de uma LAN pode estragar outros tantos dentro da mesma LAN wireless. Na linha do tempo da nossa civilização, mesmo que dolorosamente, a mudança na medicina se impôs e todos ficaram mais saudáveis.
                   Admitir uma LAN wireless com um Lençol Digital ofende a quem? Se o conceito do Lençol Digital está errado, não existe nada que o sustente, mas se está certo? Por que não fazer como os antigos profanadores que dissecaram os cadáveres e estabeleceram o certo acima do dogma? Onde está a curiosidade?
                   Os anteneiros modernos necessitam se instrumentar para aprofundar-se nas entranhas do espectro de freqüência que trabalham, para ali, fazerem as cirurgias necessárias como o aborto da interferência, o transplante do ruído ou o implante de uma maior velocidade de processamento. Para isso, assim como os antigos, basta ter coragem de aprender a interpretar o ponteirinho de um instrumento de medidas. Claro que Deus se regozijaria com esta atitude.
         Um surrealismo muitas vezes é o que existe de mais real, por isso vou contar o que até agora foi um grande segredo:
         Aconteceu que após tudo ser acomodado no chalé da minha casa de campo e o planeta ter girado o suficiente para  exibir o bordado magnífico que as estrelas faziam no firmamento noturno, fui tomar um mate sentado na varanda. Foi então que vi uma bola colorida caindo lentamente, sem nenhum barulho atrás de uma coxilha. Tão perto que o meu olhar cansado nada perdeu no movimento.
         Levantei da cadeira de balanço e cuidadosamente, desci os três degraus de madeira rumando para o local onde um brilho rosado adornava o horizonte. O que seria aquilo? Se não houve pressa de pousar, por certo eu não precisaria me apressar também para chegar lá. Com passos cuidadosos e com a mão cingindo um cajado que servia para manter o equilíbrio que a idade rouba, venci a lomba chegando ao topo do monte onde fiquei estaqueado. Lá em baixo da ribanceira pairando sobre um pequeno lago estava uma forma geométrica formada por seis faces parabólicas.
         Da parábola superior do cubo, um feixe de luz rosado descia do céu. Pensei comigo mesmo: o feixe de luz tem ângulo de irradiação invertido bem ao contrário do que deveria ser se estivesse irradiando. Aquele matiz do vermelho vinha de onde mora o infinito. De onde estaria vindo? Estaria trafegando dados no rosa?
         Em baixo do cubo parabólico uma luz azulada mergulhava nas águas do lago. Pensei em seguida que todas as águas do planeta terra estão interligadas, se o rosa pudesse chegar dos confins do espaço, até onde viajaria o azul? Os dados do rosa poderia se transformar em dados azuis?
         Do lado direito do cubo parabólico, um feixe verde banhava as folhas do arvoredo de um capão distante. As árvores são incontestavelmente as melhores antenas receptoras que existem, são capazes de absorver qualquer freqüência exceto a cor verde que as banhavam. Qual seria o motivo? Estaria alguma árvore no planeta que formam a grande LAN verde da flora, desconectada daquele feixe verde? E os dados?
         Da esquerda do cubo parabólico um feixe de luz marrom apontava para uma montanha distante onde havia uma grande extração de minério. Nosso planeta é rico em minérios e todos se combinam formando misturas diversas. Os minerais se ligam entre si seguindo proporções corretas, assim como as proporções que devem ser guardadas entre os rádios clientes de uma LAN wireless. Se dados houvesse no feixe verde, o cubo parabólico funcionava como sendo um roteador.
         Bem na minha frente, o cubo parabólico parecia estar apontado para mim. Foi então que assustadoramente um feixe de luz branca começou a vir em minha direção.
         A luz branca se propagava vagarosamente, parecia vencer a distancia tão lentamente quanto uma pena caindo no ar. Parecia estar pedindo licença ao vento para passar. Quando chegou a um metro de mim parou.
         Meu coração estava disparado, eu estava mergulhado no manto negro da noite com uma luz intensa na minha frente que relutava em me iluminar. Dei dois passos para frente e me iluminei no seu feixe.
         Não sai do lugar, mas estava em todos os lugares da terra, eu via e sentia todos os seres humanos, ninguém estava vivo, ninguém estava morto, era como se todos fossem duas formas diferentes, como se fossem duas LANs de dois lençóis digitais que funcionavam em canais diferentes, vida e morte. Ninguém era melhor que ninguém, em todos havia dor, prazer, medo, saudades, e um profundo sentimento de solidão. Fantasticamente todos estavam conectados entre si pelo desejo deles por elas e delas por eles.
         De repente as luzes apagaram, o cubo parabólico subiu verticalmente em direção ás estrelas tão rápido quanto os pensamentos humanos. Fiquei sozinho em cima da coxilha com a minha solidão a noite estrelada e o perfume do campo.
         Voltei para o chalé com passos largos, sentei na minha cadeira de balanço e fiquei cismando com o ocorrido. Então hoje resolvi contar a vocês que pertencem a minha LAN, esse fato nunca antes comentado por mim. Se não acreditarem não faz mal, eu mesmo às vezes penso que foi um sonho criado pelas minhas dores, prazer, medo, saudades e solidão. Alguém já disse que tem certas verdades que não se deve dizer para não se passar por um mentiroso inocente.
         No entanto, quando estou num curso ensinando o Lençol Digital, lembro daquela noite e do cubo parabólico. Penso então que tudo que é harmônico e correto se relaciona como se fosse um lençol, assim como a terra a flora, a fauna os minerais e nós seres humanos, vivos ou mortos. Ninguém melhor que ninguém, nada melhor que nada, todos com direito a tudo, sem desperdício nenhum.
       Naquela noite, no final da madrugada antes de ser derrotado pelo sono ainda lancei um último olhar para o firmamento onde as estrelas parecia ser o maior lençol de todos criados neste nosso universo, pelo simples fato de nenhum astro estar em condição privilegiada. A harmonia de fora verteu para dentro de mim e o sono me trouxe um descanso sem dor.
         No dia seguinte tomei a decisão de nunca contar esta história para ninguém, afinal existem verdades que são ouvidas e aceitas de formas diferentes por ouvintes diferente, assim como as cores fendi, quem as olha nunca tem certeza se é cinza, marrom ou areia, cada vê como quer ver.
         Meu sítio de cor fendi fica em Águas Claras, num chalé pequeno onde eu vi  pousar lentamente um cubo parabólico com cinco feixes de core. Não vi a sesta cor, aquela que deveria sair por detrás do cubo. Quem sabe fosse o preto e na noite escura não percebi? Quem sabe neste preto que é a ausência de todas as cores estivesse a tolerância para compreensão de um novo fantástico? Uma grande idéia pode dividir dois povos assim como dois povos podem se unirem através de uma grande idéia. Não sei a resposta, mas acho que de alguma forma se outras vidas existem fora do planeta azul, estas vidas vivem na harmonia de um grande Lençol colorido.


F I M

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